Talvez seja preciso ser um pouco ignorante para viver. Ter alguma brutalidade que se sobreponha, em algumas ocasiões, à sensibilidade. Os frágeis demais, em tempos modernos, são facilmente tragados pela maldade atávica que se sustenta sem grandes dramas. Simplesmente o mal existe, e na verdade sempre existiu. Que atire a primeira pedra quem nunca foi vítima de uma situação de aniquilamento, seja lá com que gravidade tenha ocorrido, ou qual trauma tenha alimentado.
A história é pródiga em nos relatar o quanto a maldade esteve presente na esfera da humanidade, em ações melindrosas, assoberbadas de inveja, despeito, desonestidade, inelegância, ou em grandes espetáculos de violência; coadjuvante ou protagonista, o certo é que seu papel definiu destinos, precipitou desencontros, eclodiu batalhas, sem piedade de quem fosse, do que fosse. Logo, negar o mal é negar a própria essência humana.
Só os tolos acreditam mesmo que a dor revitaliza, engrandece, transforma . Engrandece? Sim, o pessimismo, a amargura, a descrença na própria espécie. Transforma? Sim, alguém civilizado, educado, respeitoso, em um animal vingativo, um ser pouco indulgente, sarcástico, intolerante. O dia a dia de misérias só nos faz mais fortes como lutadores, como sobreviventes em um mundo que nos deixa claro, a todo instante, quem tem chance de vencer e quem pode ser vencido. Só não vê quem não quer, ou os que insistem nas obsequiosidades das utopias. Chega-se a um ponto em que a ingenuidade não é tolerada nem entendida como qualidade; a inocência deve pagar pedágio e pedir desculpas por existir.
Nunca o mal se banalizou com a grandiloquência que se avista, isso é fato. Talvez em épocas idas, o choque provocado por acontecimentos brutais durasse mais; as pessoas necessitavam digerir a violência que as vitimava ou a outrem. Agora tudo é rápido demais e os meios de comunicação ajudam a esmaecer as cores de uma tragédia, lançando-nos a outra e mais outra sem que tenhamos tempo de pensar, discernir, sofrer. Daí a necessidade da expetise para se caminhar com alguma altivez nesse universo de mandos, desmandos, e nenhuma comiseração. Nietzsche acreditava em um pessimismo criativo, que clama por mudanças e a destruição do velho para o encontro do novo, como ele mesmo disse: "É preciso não temer a escuridão para se alcançar a luz". Trata-se de uma lição que nos convém aprender.
Escrito por Sílvia Abrahão às 21h00
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